quinta-feira, 23 de maio de 2013

vie misérable



quando a mariana morreu, escrevi algumas palavras que seriam lidas por mim em sua missa de sétimo dia, como uma espécie de homenagem.
 
escrevi-as em uma sentada, sem pensar muito, deixando as palavras me dominarem, tudo assim, meio sem controle.

engraçado é que no dia da missa, eu me perdi completamente, no caminho.
na verdade, eu nem sabia pra onde eu deveria ir, em qual igreja deveríamos realizar o ritual católico de passagem aos céus...
 
liguei prum amigo, que me disse: você não sabe, a missa será na igreja que ela sempre frequentou!
eu não sabia.

aliás, eu sempre me surpreendia quando alguém, ou ela mesma, me dizia da crença em deus.
mariana era menina religiosa.
ia à missa, rezava antes de dormir, lia passagens da bíblia.
 
e eu a dizia: porra, mari, por que você acredita nessas historinhas de deus? logo você?
e ela nem ligava, ela dava aquela gargalhada que ainda ressoa nos meus ouvidos e me dizia, no alto de sua fé inquebrantável: um dia você vai entender, fabi!

e então eu cheguei quase no fim daquela missa de sétimo dia.
pensei que, logicamente, ela deveria frequentar alguma igreja ao lado da casa dela... me enganei, passei por três em que se rezavam missas também.
 
era uma missa comum, mas no final o padre fazia uma menção à memória da mariana.
 
à memória da mariana! como assim, se ela estava ainda tão presente ali, em mim pelo menos, naquela capela mesmo, sentada ao meu lado e acreditando nas palavras de fé de um moço de batina branca? poderia ser possível falar das memórias e das lembranças de alguém tão presente?

assim ele convocou aqueles que gostariam de dizer uma palavra em homenagem à ela.
 
subi no altar, acompanhada de uma outra amiga e achei que tudo não passava de um grande teatro.
afinal, eu era atéia e não frequentava igrejas, ainda mais missas e que minha dor seria vivida no isolamento do meu quarto frio daquela noite de maio.

mas de repente eu já estava lá, no altar e lia algumas palavras.
eu até falei de saudade, como se sua presença estivesse longe.
 
mas não, mas não.
 
era ela quem me segurava quando eu estava ali naquele altar, tremendo como se ardesse em febre, tonta como se doente estivesse.
 
queria congelar o tempo, disse, mas o tempo não pode voltar.
não havia mais retorno, à partir de um ponto não há mais retorno possível, diria kafka.

hoje vejo que não consegui congelar nada, nem o tempo, porque este não pode mais voltar, mas que reeditei em mim alguns pedaços dela, que agora me compõem e me habitam.

e assim sigo.

miserável vida.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

joão

O vento experimenta
o que irá fazer com sua liberdade